Do outro lado da montanha, um mundo cheio de esperança, sonhos, ilusões
"Entre nós e o mundo erguia-se, imponente e bela, a montanha, a serra azul, a inatingível ponte para o delírio, a miragem, o sonho. Naquele tempo Bocaiúva era apenas um triste lugarejo perdido no meio de um vale, que o Brasil mais tarde veio a conhecer como o Vale da Morte, o incrível lugar onde as crianças morriam de sarampo e fome, enquanto seus pais revolviam os montes na inútil busca de prata, diamante e ouro.
A cidade tinha poucas ruas, e em 1962, 24 anos passados, o cavalo ainda era o mais eficiente meio de transporte, mais rápido e seguro que os inconstantes trens da Central do Brasil, que passavam apitando, na direção do Sul, cheios de baianos, viajantes, bois. Da rua principal desta cidade via-se então a montanha com uma cruz no alto, aquela montanha em cujo cimo o avô do menino pediu para ser enterrado e até hoje não lhe fizeram a vontade.
O menino gostava de ler, mas na cidade não havia livros. Ele tinha 11 anos, talvez 10, e na sua pobre escola havia uma caixa com seis livros estraçalhados e incompletos – um deles era Os Três Mosqueteiros, que o menino lera quatro vezes. As professoras desnutridas, com seus seios murchos e olhos fundos, olhavam desconsoladas para o menino, quem sabe até chorassem quando ele fazia perguntas que elas não podiam responder. A vida era então um lento e vago suceder de dias vazios e sem sentido, os cavalos passando na rua, os homens olhando-se nos olhos com ódio e inveja, as mulheres tristes andando atrás deles e o tempo escoando, escoando, igual para todos, para sempre igual. Na estação das chuvas as mariposas morriam estilhaçadas nas luzes dos postes, a água escorria vermelha pelas ruas descalçadas, as outras crianças corriam descarnadas atrás de seus frágeis barquinhos de papel. O menino olhava. Um dia disseram ao menino que do outro lado da montanha havia uma casa onde vivia um homem que gostava de livros. Os olhos do menino brilharam e todos os dias ele descia a rua olhando para a montanha lá longe, intransponível, soberba, azul e linda. O tempo passava, escorria entre os dedos como a água da fonte, e o menino sonhava com um baú cheio de histórias, mistérios, um mundo que ele precisava descobrir, se um dia tivesse coragem. Quando esse dia chegou, luminoso como se fosse o último dia de felicidade na face da terra, o menino considerou que no mundo não existiam mais barreiras e distâncias e desceu solenemente a rua, na direção da montanha. Cruzou o pátio de uma igreja que já não existe, olhou duramente o rosto enrugado de um padre, venceu um riacho, atravessou uma pastagem e embrenhou-se no mato, andando reto e firme na direção do seu destino.
Mas as distâncias existiam, assim como os insetos, o abismo e a sede. A natureza rugia em volta, espantando o menino com sua força. Mas ele insistiu e seguiu em frente, escalando as pedras, resvalando entre as árvores, arrastando-se, chorando de raiva e fúria, enquanto o suor se misturava à poeira de seu sonho e tentava transformá-lo em barro. Mas a fúria foi maior que a montanha, e um século depois ele descia os montes, cruzando novamente rios, tropeçando nas pedras, aquele menino frágil que já necessitava, quem sabe, de óculos. Ele já podia ver, lá embaixo, no fun, do do vale, a pequena casa do homem dos livros. Foi como se estivesse entrando no paraíso que ele empurrou lentamente a porta, viu o baú no fundo da sala, abriu-o e caiu prostrado diante do inestimável tesouro.
Sim, havia livros, milhares de livros, tesouros contando histórias de outros tesouros, ilhas, mulheres nuas, piratas, monstros e fadas, montanhas, crianças silenciosas viajando nas frágeis asas do sonho e da ilusão. Sim, ele tinha chegado. Precisava urgentemente fazer o caminho de volta, mas naquele momento raro entre a loucura e o sonho ele não pensava em mais nada. Não queria saber de voltar."
in A Grande Ilusão, Luiz Fernando Emediato...
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3 comentários:
Baú de livros contra analfabetismo, evasão escolar e trabalho infantil
http://vivapernambuco.com.br/site/index.php?option=com_content&view=article&id=348&Itemid=15
Projeto Bacana!!! :D
Oi Fabiiiiiiiii ...
To meio ausente, mas você está sempre presente nos meus pensamentos, to com saudades ...
Kika, feliz aniversário (outro parabéns atrasado .. kkk)
Que sua vida navegue sempre em águas tranquilas .... Felicidades !!!!!
Beijos meninas
Carlão
Carlãoooo
Que lindo isso que você disse para a Kika!!!
Você sempre carinhosoooo... Adorooo rsrsrs Saudade também...
Tá tudo bem por aqui... :D os pensamentos devem estar sendo mega positivos... hehe Não squeço de ti também, viu? Beijão amigo!!! ;D
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