terça-feira, 30 de novembro de 2010

Velho... Lestics


O espelho cospe
No prato em que comeu
A infância volta
Sem saber que se perdeu

No final só fica o desconforto
Do menino que se sente homem
Do homem que se sente velho
Do velho que se sente morto

A rotina pesa muito mais
Que de costume
O passado perde a forma e cresce
No volume

No final só fica o desconforto
Do menino que se sente homem
Do homem que se sente velho
Do velho que se sente morto

Poema Da Gare De Astapovo... Mário Quintana

O velho Leon Tolstoi fugiu de casa aos oitenta anos

E foi morrer na gare de Astapovo!
Com certeza sentou-se a um velho banco,
Um desses velhos bancos lustrosos pelo uso
Que existem em todas as estaçõezinhas pobres do mundo
Contra uma parede nua...
Sentou-se ...e sorriu amargamente
Pensando que
Em toda a sua vida
Apenas restava de seu a Gloria,
Esse irrisório chocalho cheio de guizos e fitinhas
Coloridas
Nas mãos esclerosadas de um caduco!
E entao a Morte,
Ao vê-lo tao sozinho aquela hora
Na estação deserta,
Julgou que ele estivesse ali a sua espera,
Quando apenas sentara para descansar um pouco!
A morte chegou na sua antiga locomotiva
(Ela sempre chega pontualmente na hora incerta...)
Mas talvez não pensou em nada disso, o grande Velho,
E quem sabe se ate não morreu feliz: ele fugiu...
Ele fugiu de casa...
Ele fugiu de casa aos oitenta anos de idade...
Não são todos que realizam os velhos sonhos da infância!

Mario Quintana

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Nada Espero... Carmem Lúcia



Fecho-me às lembranças

com o recato de não me trair a saudade.

De meus sonhos me apartei,
tantos foram e se foram.
Quantos? Já nem sei...

Experiências me apontam realidades
e para elas caminho, firmo os pés no chão...
Sou razão, trago erradicada a emoção,
não me iludo com as cores que atropelam,
lusco-fusco que me embaça a visão
desnorteando-me a direção.

Distancio-me cada vez mais
de ti, do amor, de tudo que não me cabe mais,
faço do longe meu lugar eterno,
peregrina da escuridão
rastejo entre lacunas
no estreito espaço de minha prisão.

Sob um sol eclipsado
vejo-me jogada às dunas
feito objeto devolvido pelo mar...
Antes cenário de um amor perfeito,
hoje destroços que jamais serão refeitos.
Nada espero, aceno à ilusão.

Carmen Lúcia

Noites Com Sol... Flávio Venturini e Marina Machado

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Árvores

Todas as Vidas... Cora Coralina

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé
do borralho,
olhando para o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...
Vive dentro de mim
a lavadeira
do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde
de São-caetano.
Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.
Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada,
sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.
Vive dentro de mim
a mulher roceira.
-Enxerto de terra,
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.
Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo ser alegre
seu triste fado.
Todas as vidas
dentro de mim:
Na minha vida -
a vida mera
das obscuras!

Cora Coralina


quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A Minha Estrela... Augusto dos Anjos
















A MINHA ESTRELA

A meu irmão Aprígio A.

E eu disse - Vai-te, estrela do Passado!
Esconde-te no Azul da Imensidade,
Lá onde nunca chegue esta saudade,
- A sombra deste afeto estiolado.

Disse, e a estrela foi p’ra o Céu subindo,
Minh’alma que de longe a acompanhava,
Viu o adeus que do Céu ela enviava,
E quando ela no Azul foi-se sumindo

Surgia a Aurora - a mágica princesa!
E eu vi o Sol do Céu iluminando
A Catedral da Grande Natureza.

Mas a noute chegou, triste, com ela
Negras sombras também foram chegando,
E nunca mais eu vi a minha estrela!


Augusto dos Anjos

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Mundo Grande... Carlos Drummond de Andrade


Mundo Grande

Não, meu coração não é maior que o mundo.

É muito menor.
Nele não cabem nem as minhas dores.
Por isso gosto tanto de me contar.
Por isso me dispo,
por isso me grito,
por isso freqüento os jornais, me exponho cruamente nas livrarias:
preciso de todos.

Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.

Tu sabes como é grande o mundo.
Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão.
Viste as diferentes cores dos homens,
as diferentes dores dos homens,
sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso
num só peito de homem... sem que ele estale.

Fecha os olhos e esquece.
Escuta a água nos vidros,
tão calma, não anuncia nada.
Entretanto escorre nas mãos,
tão calma! Vai inundando tudo...
Renascerão as cidades submersas?
Os homens submersos – voltarão?

Meu coração não sabe.
Estúpido, ridículo e frágil é meu coração.
Só agora descubro
como é triste ignorar certas coisas.
(Na solidão de indivíduo
desaprendi a linguagem
com que homens se comunicam.)

Outrora escutei os anjos,
as sonatas, os poemas, as confissões patéticas.
Nunca escutei voz de gente.
Em verdade sou muito pobre.

Outrora viajei
países imaginários, fáceis de habitar,
ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando ao suicídio.

Meus amigos foram às ilhas.
Ilhas perdem o homem.
Entretanto alguns se salvaram e
trouxeram a notícia
de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias,
entre o fogo e o amor.

Então, meu coração também pode crescer.
Entre o amor e o fogo,
entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode.
– Ó vida futura! Nós te criaremos.

Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Sobre Todas as Coisas

Música: Sobre Todas as Coisas
Composição: Edu Lobo e Chico Buarque de Holanda
Intéprete: Gilberto Gil
Vídeo: Trailler do Filme: Abril Despedaçado (2001)

Das Utopias ... Mario Quintana

(Noite Estrelada, Van Gogh)

"Se as coisas são inatingíveis... ora!
Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos se não fora
A mágica presença das estrelas!"

sábado, 13 de novembro de 2010

Bem Te Vi - Paulinho Pedra Azul

Sugestão da Aninha!!!!

Nunca Te Isoles

Nunca te isoles entre os mananciais da vida;
A vida é o eterno bem que nos foi dado,
Para que o multiplicássemos indefinidamente...
E a alma que se abandona,
Ao sofrimento ou ao bem-estar,
É um deserto sem oásis,
Onde outras almas sentem fome e sede.
Multiplicar a vida
É amar sem restrições
A flor, a ave, os corações,
Tudo o que nos rodeia.
Atenuar a dor alheia,
Sorrir aos infelizes,
Bendizer o caminho que nos leva
Da treva para luz;
Agradecer a Deus, que é Pai bondoso,
O firmamento, o luar, as alvoradas,
Ler a sua epopéia feita de astros,
Ter a bondade ingênua das crianças,
Tecer o fio eterno da esperança
Por onde se sobe ao Céu;
Dar sorrisos, dar luzes, dar carícias,
Dar tudo quanto temos,
Tudo isto é amar multiplicando a vida,
Que se estende infinita no Infinito.
Dar a lição de paciência se sofremos,
Dar um pouco de gozo se gozamos,
É guardarmos a semente
Da Vida
Em leivas verdejantes,
E a qual há de nos dar
Sombras amigas para descansarmos,
Indumentos de flores perfumosas
E frutos aos milhares,
Para nutrir as nossas alegrias
Nos jardins estelares...

Por Marta in Parnaso de Além Túmulo
Francisco Cândido Xavier

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

No More Lonely Nights - Paul McCartney

Os Versos Que Te Fiz

Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.

Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!

Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda…
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!

Amo-te tanto! E nunca te beijei…
E nesse beijo, amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!

Florbela Espanca

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Alegria de ter um amigo















Um amigo fiel é balsamo para a vida,
É a mais segura proteção.
Poderás acumular tesouros sem conta,
Nada, porém,vale mais do que um amigo sincero.
Sua presença desperta no coração uma alegria
que invade todo o nosso ser.
Com ele é possível viver uma união profunda
Que dá ao espírito um gozo inexprimível.
A lembrança dele desperta a nossa mente
E a liberta de muitas preocupações
Estas palavras tem sentido
Só para quem tem um amigo verdadeiro,
e também para quem, mesmo encontrando-o
a cada dia,nunca se sente de todo saciado
(autor desconhecido)

Sugestão da querida Nanda...

Aos meus amigos do Bagun

sábado, 6 de novembro de 2010

John Mayer - Free Falling

Alceu Valença - Vou Danado Pra Catende


    TREM DE ALAGOAS

    O sino bate,
    o condutor apita o apito,
    solta o trem de ferro um grito,
    põe-se logo a caminhar...

    — Vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende
    com vontade de chegar...

    Mergulham mocambos
    nos mangues molhados ,
    moleques mulatos,
    vem vê-lo passar.

    — Adeus!
    — Adeus!

    Mangueiras, coqueiros,
    cajueiros em flor,
    cajueiros com frutos
    já bons de chupar...

    — Adeus, morena do cabelo cacheado!

    — Vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende
    com vontade de chegar...

    Na boca da mata
    há furnas incríveis
    que em coisas terríveis
    nos fazem pensar:

    — Ali mora o Pai-da-Mata!
    — Ali é a casa das caiporas!

    — Vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende
    com vontade de chegar...

    Meu Deus! Já deixamos
    a praia tão longe...
    No entanto avistamos
    bem perto outro mar...

    Danou-se! Se move,
    parece uma onda...
    Que nada! É um partido
    já bom de cortar...

    — Vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende
    com vontade de chegar...

    Cana-caiana
    cana-roxa
    cana-fita
    cada qual a mais bonita,
    todas boas de chupar...

    — Adeus, morena do cabelo cacheado!

    — Ali dorme o Pai-da-Mata!
    — Ali é a casa das caiporas!

    — Vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende,
    vou danado pra Catende
    com vontade de chegar...

    Ascenso Ferreira

    Do livro: "Poemas de Ascenço Ferreira", Nordestal Editora, 1995, PE